segunda-feira, 23 de junho de 2008

Descrição de um (não)transeunte

Pedro, pedra.
Um ressecado senhor passava seus dias numa poltrona. Tinha a espécie de alguém que não fora muito feio quando moço, mas sua carrancuda face impedia dizer que fora bonito. Pretas e volumosas sobrancelhas encobriam parte de sua testa, a qual só não ficava pequena devido à careca de pelugens brancas que dava continuidade a esta. Tinha queixo avantajado e nariz bonito, bonito mesmo tendo ramos de rugas. Era magro, com gorduras no abdome. Vestia-se à moda paulista: branca camisa e suspensório. Naquele momento e em todos os demais, a monótona dança da fumaça do cigarro sujava os ares da áspera e escura sala.
Não que não se entediasse com o passatempo, mas sendo um fiel jornalista aposentado lia jornais e corrigia os erros gramaticais, que, por ventura, encontrava. Só esquecia do metódico quando se deparava com a folha de esportes. Lembrava-se de sua infância: “Ah! O remo...”. Terminada a seção de esportes, debruçava-se novamente nos jornais, com o cigarro entre os dedos e a corcunda acentuada, pronto para voltar ao tédio.
De fato, quando Clara falecera, deixando-o viúvo, a casa escurecera. Mais suja a morada ficara quando Poti, o gato, morrera. Pedro tinha mania de limpeza por causa dos pêlos do felino. A aspereza da moradia só viera com a aposentadoria.
Secura, cigarro e fumaça, aspereza, tédio, fidelidade, escuridão, sujeira, jornal e gramática, a casa: são o Pedro, pedra.